26 de julho de 2017

A DANÇA DAS CADEIRAS

Realmente acertaste em cheio num ponto em que ando já a pensar desde que a decisão de regressar definitivamente a Portugal foi tomada.

Estive quase dois anos "fora". Num outro país, num outro continente. Vivendo experiências e bebendo de influências muito, muito diferentes das que alguém que nunca esteve em África nunca poderá compreender totalmente. E não compreender totalmente não é problemático, o que poderá ser problemático é a possibilidade de não aceitar, de estranhar, de afastar...

Uma das pessoas excepcionais que por estes lados conheci - emigrante também em Angola e com 8 anos de vivência "fora" do seu país - disse-me uma vez algo que nunca mais esqueci: a cadeira que deixamos vazia quando partimos para outro país fica lá, à nossa espera. No regresso, ela lá está no mesmo sitio, aguardando que nos sentemos e que através dela assumamos novamente o nosso lugar, num sentido lato: o antigo papel na familia e no circulo social, a antiga identidade, valores, crenças, gostos, ideiais... Essa cadeira espera-nos tal e qual como éramos antes de rumarmos a outras paragens. Só que nós voltamos diferentes. Já não somos a pessoa que éramos à dois anos, três, vinte. Mas a expectativa é que encontrem o anterior "eu". Quando ele já não existe...

Como disseste na perfeição, há agora uma parte de mim que não conheces e uma parte de ti que eu desconheço. Porque tens essa plena consciência, sabes que no meu regresso a dança das cadeiras vai iniciar-se: já não encaixo na antiga cadeira, mas não sei ainda se há uma nova, mais adequada a quem eu sou agora, para me sentar. Mas as duas vamos descobrir - e encontrar com toda a certeza! - esa nova cadeira para mim, com os detalhes a partilhar para completar episódios que o tempo e a distância tornaram mais breves. Porque a distância foi ultrapassada e nada do que nos une se perdeu. O motivo até, neste ponto, não interessa nada - já sabemos qual é.

Mas sei que haverá expectativas de outros para gerir. A dança das cadeiras não será tranquila e imediata em algumas mesas. Noutras, poderá deixar de haver uma cadeira para mim.


Seja lá o que aconteça neste futuro próximo, que se inicia já amanhã a partir do momento em que aterre em Portugal, uma coisa eu sei: já não sou a mesma Sónia de 2015. 

E isso é bom.

20 de julho de 2017

JÁ VOU...

... mas vou ficar. Ao fim de quase 2 anos em Angola, regresso em definitivo a Portugal. A ronda dos jantares de despedida cumpre-se. Alguns "Adeus". Mas também e felizmente, muitos "Até já"...

Já vou. Mas também vou ficar. Não o meu corpo, mas parte do meu coração, repartido por multiplos pedacinhos guardados no coração de cada uma das pessoas que nesta terra fantástica conheci e com quem privei.

Em boa verdade, sempre aqui estive. Metade do meu ADN nasceu cá na Praia do Bispo, Luanda, corria o ano de 1953. Por isso, quando para aqui vim em Setembro de 2015, vim redescobrir onde parte do meu ADN tinha nascido. Não é por acaso - agora o entendo - que sempre gostei de tecidos tribais, decoração de casa que lembra a natureza e filmes cujo pano de fundo é África. Agora entendo-o: estava cravado no meu ADN.

Já vou, mas para sempre África ficará comigo. O cheiro da terra (que tantas vezes a minha mãe recordava), a cor das flores das acácias, a imponência e beleza singular dos imbondeiros, a pintura simples, quase naïfe, espelhada em tantos quadros representando o quotidiano dos homens e mulheres angolanos... tudo isso fica comigo.

Os pedacinhos do meu coração que por cá ficam lembrar-me-ão sempre que 8.690,2Km's são só um numero e 8 horas de avião. Não significam perda, tristeza ou adeus definitivo. Nos jantares de despedida que por esta altura vão acontecendo não tenho sentido dor ou tristeza, porque também levo daqui pedacinhos de coração, entregues com sereno carinho e recebidos por mim com uma gratidão imensa. Os "até já" são isso mesmo. Sem rodeios.

Daqui para a frente, estarei sempre e permanentemente ligada. Aqui e lá.

Já vou. Ficando por aqui...