2 de março de 2016

HÁ COISAS QUE AS CRIANÇAS FAZEM EM QUALQUER PARTE DO MUNDO...

... como por exemplo salientar a diferença do outro de forma menos positiva.

E as razões para o fazerem são múltiplas, mais complexas do que se pode pensar mas - disso tenho a certeza - bem diferentes e menos profundas do que as que levam os adultos a fazer exactamente a mesma coisa.

Porque te falo disto? Por causa uma situação ocorrida na passada segunda feira com a M. e um colega de turma, no recreio da escola:

A M. foi chamada à atenção pela professora na aula. No recreio, um colega resolve gozar com ela a propósito desse episódio na aula, ao ponto de ela começar a chorar. A M. diz-lhe para ele parar de fazer aquilo caso contrário faz queixa a um vigilante do recreio, ao que o colega lhe responde: "Cala-te! mas é, que tu vens de Portugal!" 

Bem, se fosse um episódio entre adultos com certeza a frase teria sido outra. O facto de esta criança ter dito aquela frase e não outra "mais pesada" revela, para mim, que há já um trabalho em termos de transmissão de valores e princípios feito em casa. Pelo menos quero acreditar que sim...

A escola onde a M. estuda neste momento em Angola é um colégio internacional, onde há alunos angolanos, portugueses, russos, chineses, sul-.africanos, sérvios, brasileiros, moçambicanos... e cujo projecto estrutural da escola inclui a integração dos conhecimentos das diferentes culturas e costumes, numa lógica de enriquecimento social, mental, emocional e académico de todos os alunos.

Voltando a este episódio com a M.: ela ficou calada depois de ter ouvido aquela frase. Disse-me que não percebeu exactamente o que é que o colega quis dizer com aquilo, mas que se sentiu triste depois de o ter ouvido. Respiro fundo. E digo-lhe apenas o seguinte "Olha M., esse menino apenas quis implicar contigo porque sabe que não nasceste em Angola. Mas onde nasceste não interessa nada, porque neste momento, tu és de Angola porque onde moras, onde tens a tua casa, é em Angola. Neste momento pertences aqui e este é o teu país tanto como é o país desse menino. Da próxima vez que ele te voltar a dizer essa frase podes responder-lhe exactamente isso: que és de Angola, porque moras cá tal como ele."

Tenho a certeza de que a M. não entendeu a amplitude da frase "Cala-te! mas é, que tu vens de Portugal!". Sei que por minutos ela se sentiu deslocada, sem sentimento de pertença. Daí a tristeza. 

Tenho igualmente a certeza de que aquele menino não entendeu o total significado do que disse. Sei que ele quis implicar com uma colega e como aparentemente ela não estava a demonstrar a reacção que ele pretendia, recorreu a uma diferença entre ele e ela (neste caso a nacionalidade e cor da pele, mas podia ser a religião, etnia, não ter uma perna, ser gago, etc....), transformou-a em algo menos positivo e arremessou-a, como se de uma pedra se tratasse. 

Porque é ainda uma criança, não tem para já a capacidade de ser empático com os outros devidamente desenvolvida, caso contrário, no segundo seguinte a ter proferido aquela frase, sentiria o coração apertado e uma pequena nuvem negra a pairar sobre o mesmo, como aconteceu com o coração da M.. E de certeza não o voltaria a repetir. 

Cabe a nós adultos desenvolver nas crianças essa empatia, essa capacidade de se colocarem no lugar do outro, para que melhor entendam as consequências das suas acções. Acredito que essa é uma de algumas das ferramentas fundamentais para educar adultos conscientes do seu papel num mundo que se quer de paz, de integração e de saudável convivência em comunidade e em sociedade. Cá por casa, vamos fazendo a nossa parte.

(a meio do relato da M. sobre este episódio da escola, a irmã começa a chorar. Pergunto-lhe o que se passa, responde-me que se lembrou da avó materna, a minha mãe. Porque a avó - branquinha de pele e de olhos verde-amendoados, tinha dupla nacionalidade portuguesa-angolana, uma vez que era filha de pais portugueses mas nasceu em 1953 em Luanda - Angola e aqui viveu até aos seus 8 anos, num local não muito longe de onde moramos actualmente. E a R. chorava porque sentiu que para além da sua irmã, também a sua avó tinha sido magoada. A R. percebeu bem melhor o significado daquela frase proferida pelo menino. Daí a nuvem negra no seu coração ser bem maior...)

1 comentário:

  1. Um abracinho muito forte nessas bonecas.
    (e digam-me quem é o puto que eu trato dele!)

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