19 de setembro de 2017

ONDE ESTOU...?

Sabes, ainda não aterrei. Quer dizer, claro que sim, os meus pés tocam este solo luso mas... mas ainda não aterrei.

Ainda não tenho casa minha, ainda não tenho trabalho meu, ainda faço constantemente e sem me dar conta comparações entre o meu modo de vida em Angola e em Portugal, ainda estou na fase dos reencontros e abraços, ainda me sinto deslocada, ainda apaziguo dolorosas saudades de quem conheci em Angola, ainda sinto o cheiro da terra angolana e ainda visualizo as maravilhosas palmeiras e as águas quentes do Mussulo de forma tão clara que até parece que basta ir já ali apanhar uma chata* para passar um dia maravilhoso de praia com os miúdos.

Ainda me sinto a retornada. A que regressou para iniciar a sua vida na terra que a viu nascer. A que foi e teve tanto mas agora está a correr atrás para ter o básico.

Sim, posso estar a ser melodramática. Mas a sensação de estranheza é constante. É diária. 

Sei que vai passar. Não sei é quando. E isso faz-me confusão...


* pequena lancha que faz a ligação entre a costa de Luanda e a peninsula do Mussulo

AINDA FAZ SENTIDO?

Tu não sei, mas eu cá por mim acho que continua a fazer todo o sentido manter este blogue, pelo menos por mais algum tempo.

Com o regresso dos miúdos a Portugal depois de dois anos em Angola, há tanta coisa a dizer! Novamente adaptações, novamente rotinas a sistematizar, sempre paralelismos com a realidade social Angolana, sempre a memória do que lá se viveu, quem se conheceu e como nos enriquecemos com tudo isso.

Por isso, vamos estando por estes lados mais um pouco? Bora lá?


26 de julho de 2017

A DANÇA DAS CADEIRAS

Realmente acertaste em cheio num ponto em que ando já a pensar desde que a decisão de regressar definitivamente a Portugal foi tomada.

Estive quase dois anos "fora". Num outro país, num outro continente. Vivendo experiências e bebendo de influências muito, muito diferentes das que alguém que nunca esteve em África nunca poderá compreender totalmente. E não compreender totalmente não é problemático, o que poderá ser problemático é a possibilidade de não aceitar, de estranhar, de afastar...

Uma das pessoas excepcionais que por estes lados conheci - emigrante também em Angola e com 8 anos de vivência "fora" do seu país - disse-me uma vez algo que nunca mais esqueci: a cadeira que deixamos vazia quando partimos para outro país fica lá, à nossa espera. No regresso, ela lá está no mesmo sitio, aguardando que nos sentemos e que através dela assumamos novamente o nosso lugar, num sentido lato: o antigo papel na familia e no circulo social, a antiga identidade, valores, crenças, gostos, ideiais... Essa cadeira espera-nos tal e qual como éramos antes de rumarmos a outras paragens. Só que nós voltamos diferentes. Já não somos a pessoa que éramos à dois anos, três, vinte. Mas a expectativa é que encontrem o anterior "eu". Quando ele já não existe...

Como disseste na perfeição, há agora uma parte de mim que não conheces e uma parte de ti que eu desconheço. Porque tens essa plena consciência, sabes que no meu regresso a dança das cadeiras vai iniciar-se: já não encaixo na antiga cadeira, mas não sei ainda se há uma nova, mais adequada a quem eu sou agora, para me sentar. Mas as duas vamos descobrir - e encontrar com toda a certeza! - esa nova cadeira para mim, com os detalhes a partilhar para completar episódios que o tempo e a distância tornaram mais breves. Porque a distância foi ultrapassada e nada do que nos une se perdeu. O motivo até, neste ponto, não interessa nada - já sabemos qual é.

Mas sei que haverá expectativas de outros para gerir. A dança das cadeiras não será tranquila e imediata em algumas mesas. Noutras, poderá deixar de haver uma cadeira para mim.


Seja lá o que aconteça neste futuro próximo, que se inicia já amanhã a partir do momento em que aterre em Portugal, uma coisa eu sei: já não sou a mesma Sónia de 2015. 

E isso é bom.

20 de julho de 2017

JÁ VOU...

... mas vou ficar. Ao fim de quase 2 anos em Angola, regresso em definitivo a Portugal. A ronda dos jantares de despedida cumpre-se. Alguns "Adeus". Mas também e felizmente, muitos "Até já"...

Já vou. Mas também vou ficar. Não o meu corpo, mas parte do meu coração, repartido por multiplos pedacinhos guardados no coração de cada uma das pessoas que nesta terra fantástica conheci e com quem privei.

Em boa verdade, sempre aqui estive. Metade do meu ADN nasceu cá na Praia do Bispo, Luanda, corria o ano de 1953. Por isso, quando para aqui vim em Setembro de 2015, vim redescobrir onde parte do meu ADN tinha nascido. Não é por acaso - agora o entendo - que sempre gostei de tecidos tribais, decoração de casa que lembra a natureza e filmes cujo pano de fundo é África. Agora entendo-o: estava cravado no meu ADN.

Já vou, mas para sempre África ficará comigo. O cheiro da terra (que tantas vezes a minha mãe recordava), a cor das flores das acácias, a imponência e beleza singular dos imbondeiros, a pintura simples, quase naïfe, espelhada em tantos quadros representando o quotidiano dos homens e mulheres angolanos... tudo isso fica comigo.

Os pedacinhos do meu coração que por cá ficam lembrar-me-ão sempre que 8.690,2Km's são só um numero e 8 horas de avião. Não significam perda, tristeza ou adeus definitivo. Nos jantares de despedida que por esta altura vão acontecendo não tenho sentido dor ou tristeza, porque também levo daqui pedacinhos de coração, entregues com sereno carinho e recebidos por mim com uma gratidão imensa. Os "até já" são isso mesmo. Sem rodeios.

Daqui para a frente, estarei sempre e permanentemente ligada. Aqui e lá.

Já vou. Ficando por aqui...

22 de fevereiro de 2017

O INFERNO AO NOSSO LADO

A esperança morreu. A ansiedade acabou da forma mais abrupta possivel. O peito abre-se involuntariamente, dilacerando e esmagando o coração. Sente-se a garganta a fechar, tal é o tamanho do nó que nela se formou e que nos impede de falar, de respirar, de gritar, de maldizer o mundo. Todo ele.

Estamos anestesiados. Ainda não queremos acreditar que aconteceu. Que aquele foi o desfecho. Tantos dias a imaginar os piores cenários... mas tendo sempre a ténue esperança de que o mal-entendido fosse desfeito, sempre desejando que a dolorosa ausência culminasse no libertador reencontro, sempre esperando que os dias que num ápice se tornaram os piores e mais dificeis da nossa vida perante a incerteza do que estaria a acontecer, de repente passassem a ser apenas uma lembrança longinqua, assim que aqueles braços de mãe voltassem a abraçar aquele corpo que o seu corpo gerou.

Ainda não queremos acreditar que aconteceu. As pernas mal aguentam o corpo destruído pela dor da perda. A cabeça anda à roda tentando racionalizar o que não encontra a razão. Nesse vil exercicio, questionamo-nos se a culpa é nossa, se podiamos ter evitado, o que podiamos ter feito de diferente... tentamos racionalizar o que não encontra a razão.

Sentimos que descemos ao Inferno...

Estamos sem forças. Ainda assim temos de olhar. As lágrimas escorrem face abaixo e parece que vamos ficar sem uma pinga de água no corpo, de tanto chorar. Ainda assim temos de reconfortar outros. Não sabemos como vamos suportar o amanhã. Ainda assim temos de acordar e viver. Sem.

Sentimos o Inferno ao nosso lado...

Tudo isto que aqui descrevo é o que o meu coração imagina que uma mãe esteja a sentir pela perda de um filho. 

Apenas posso imaginar. Não me atrevo a dizer que compreendo ou que sei o que está a passar. Isso seria um insulto.

Mas porque conheço esta mãe já lá vão 11 anos, porque esta mãe pegou no colo os meus três filhos muitas vezes, porque esta mãe lhes deu muito mimo e carinho só porque sim, porque esta mãe, mesmo depois de os meus filhos deixarem de frequentar o infantário onde trabalha, sempre os acolheu com grande alegria em cada visita... de alguma forma sinto a sua dor. Tal como outras mães cujos filhos foram acarinhados por ela.

A única certeza que tenho é que, de facto, o Inferno acompanha-a agora. O coração dilacerado alberga-o. Não será só o tempo que ajudará a reconstruir e a demonstrar como viver, depois de tudo o que aconteceu. O Inferno tem de arranjar forma de sair. Como? Não sei...

O meu abraço forte e as minhas preces de força e amparo foram já enviadas. Espero que as sinta. Nada mais resta, por agora, a fazer...