13 de janeiro de 2016

ENXOVAIS E PREOCUPAÇÕES...

Quando cheguei a Luanda, uma das primeiras imagens que vi e que me marcou o coração foi o das mães angolanas a "zungar", ou seja, a vender na rua todo o tipo de mercadorias, que carregam na cabeça, com um filho às costas, atado por um pano que amarram na frente à altura do peito, debaixo de um sol escaldante. Ainda mais marcante é a imagem de uma destas mães, carregando o produto a vender na cabeça, com o filho às costas e grávidas. Como é possível eu queixar-me da dor no braço pela meia-hora de colo que dei ao mais pequeno? Não, não me atrevo!

Em determinadas formas de pensar a maternidade e preparar o nascimento do bebé, há diferenças abismais entre a mãe portuguesa (realidade que conheço, ou seja... eu!) e a mãe angolana:

A mãe portuguesa:
. antes do bebé nascer, compra as roupas fofas para levar para a maternidade e para os seis meses seguintes, pelo menos. Conta com o facto de vir a ter mais roupa quando o bebé nascer, advinda dos presentes oferecidos por quem a irá visitar para conhecer o petiz;
. pesquisa afincadamente na internet sobre qual o melhor carrinho de mão para levar o bebé a passear, qual a cadeira-auto para recém-nascido mais segura, qual a marca de detergente para a roupa mais hipoalergénica do mercado, qual a marca de carrinho de mão mais trendy e qual a melhor forma de ter o carrinho, a alcofa e a cadeira de carro dessa marca ao menor preço possível. Ou oferecido...;
. perscruta no espelho qual o melhor ângulo para não parecer um bisonte (sem ofensa para os bisontes...) mas sim uma grávida fofa e que "nem engordou nadinha, só tem barriga";
. lê todos os artigos que oferecem dicas sobre como ser uma boa mãe, tem pelo menos um livro sobre como cuidar de bebés e absorve dogmaticamente os conselhos dados pela enfermeira do centro de saúde no curso de maternidade e pela enfermeira/técnica de saúde do curso de maternidade oferecido pela loja de roupa e acessórios para bebé - mesmo que entre ambos alguns sejam contraditórios...;
. se mãe de primeira viagem, deposita todos os seus sonhos neste bebé; todas as ansiedades e preocupações sobre se será capaz de ser uma boa mãe, também;
. descobre sistemas de segurança para fixar cadeiras-auto agregados aos cintos de segurança do carro que desconhecia!
. constata que mais brinquedos não significam mais felicidade para os seus filhos.

A mãe angolana:
. antes do bebé nascer, confia que os familiares e vizinhos irão oferecer um enxoval de roupa para o recém-nascido. E oferecem...;
. tem os seus filhos no hospital mais próximo ou na própria casa (grande parte das vezes é em casa);
. ainda grávida, já possui muita informação sobre os cuidados básicos a dar a um bebé, pois muito provavelmente ajudou a sua mãe a criar os seus irmãos mais novos; muitas vezes foi ela a "mãe" quando era ainda criança;
. não tem carrinhos de mão para passear o bebé, isso são "mariquices"; o meio de transporte usual do bebé ou criança de colo é mesmo nas suas costas, seguros por um pedaço de tecido que aperta com um nó à frente, achatando completamente as suas glândulas mamárias;
. se mãe de primeira viagem, sabe que dificilmente conseguirá cuidar e fazer tudo bem sozinha; a ajuda - e por vezes irritantes opinanços sobre a forma mais correcta de fazer as coisas - dos seus ascendentes, sogra incluída, é algo adquirido;
. descobre que é uma verdadeira guerreira cheia de força e coragem, pois num país onde ainda é difícil ter, para grande parte da população, a satisfação das necessidades básicas que conferem o estatuto de uma vida digna, ela não desiste; e dia após dia vai à luta para que no final da tarde haja comida na mesa para a sua prole;
. constata que mais brinquedos não significam mais felicidade para os seus filhos, pois a felicidade por este lados encontra-se noutras coisas, como ser saudável, ter uma boa alimentação, poder andar descalço na terra seca, comer frutos tropicais maravilhosamente maduros e doces à tarde que foram colhidos de manhã ou ir à escola para saber ler, escrever e quem sabe no futuro ter uma profissão digna.

Dou por mim a relativizar certas preocupações minhas, quando olho para estas mães que trabalham mais de 12 horas por dia, sob o sol escaldante e com o filho às costas.

Dou por mim a relativizar certas exigências dos meus filhos quando olho para estes filhos a quem o facto de pouco terem não lhes tirar o sorriso aberto e sincero.

Dou por mim a pensar em como sou uma privilegiada, por tudo. E em como estas mães são para mim uma inspiração...

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